Pr. Marcio Cappelli

“Ado(eu)cimento”

“Todos nós sofremos coisas aqui que a mente humana não pode imaginar”, escreveu Marcel Nadjari, judeu grego, prisioneiro no campo concentração de Auschwitz-Birkenau.
Sem embargo, podemos afirmar que não só o holocausto implementado pelo regime nazista, que executou 6 milhões de judeus, mas também uma série de experiências históricas catastróficas se deram na esteira de uma cultura baseada no “eu”.
Aquilo que podemos chamar de “subjetividade moderna”, que se constituiu a partir do conjunto de argumentos por meio do qual o sujeito (eu/ego) se tornou o centro de tudo, e veio a ser a própria condição de possibilidade do conhecimento e, de certo modo, da ação, estrutura ainda hoje, em grande parte, a nossa maneira de viver.
Basta pensar em como muitos dos graves problemas que enfrentamos tem a ver, na sua base, com certo egocentrismo, com privilégios do “eu” ou de grupos específicos que se sobrepõem violentamente a outros: intolerância religiosa, misoginia, racismo, xenofobia, etc. Lembremos do episódio do dia 18/08, que culminou na destruição dos abrigos de imigrantes venezuelanos, em Roraima.
No entanto, mesmo que, espremidos por essa lógica autorreferencial, egolátrica, é preciso resgatar a sabedoria bíblica, como fez o filósofo judeu lituano, Emmanuel Lévinas (1906 – 1995), no curso de suas obras, e reposicionar a questão da alteridade, isto é, do “outro” enquanto aquele que me interpela eticamente e me torna responsável. Comentando o discurso de Jesus em Mt 25, Lévinas diz: “Não é metáfora: em outrem há presença real de Deus. (…) Não digo que outrem é Deus, mas que, em seu Rosto, entendo a Palavra de Deus”.
Que em tempos de proliferação da discriminação e da violência, estejamos atentos para não reduzirmos o “outro” a objeto, retirando-lhe a dignidade fundamental através de qualquer tipo de discurso, mas antes e, sobretudo, o acolhamos hospitaleiramente e tornemo-lo nosso “próximo”.

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